A COMUNHÃO DOS SANTOS

quinta-feira, 11 de novembro de 2010

 
Creio na comunhão dos santos”
 - Credo Apostólico -
 
            Essas palavras foram escritas no Credo aproximadamente em meados do século quinto.

Seria difícil – se não totalmente impossível – para nós nesta era presente saber exatamente o que se passava na mente dos Pais da Igreja que introduziram essas palavras ao Credo.

Contudo, no livro de Atos, temos uma descrição da primeira comunhão cristã: “Então, os que lhe aceitaram a palavra foram batizados, havendo um acréscimo naquele dia de quase três mil pessoas. E perseveravam na doutrina dos apóstolos e na comunhão, no partir do pão e nas orações” (2:41-42).
            Eis aqui a comunhão apostólica original, o modelo sobre o qual a comunhão de todo cristão verdadeiro deve ser alicerçada.

            O termo “comunhão”, apesar de seus abusos, ainda é belo e pleno de significado. Quando corretamente compreendido, significa o mesmo que a palavra “confraternidade”, ou seja, o ato e a condição de compartilhar em união algumas bênçãos comuns a um número de pessoas. A comunhão dos santos, nesse caso, significa um compartilhamento intimo e amoroso de certas bênçãos espirituais por pessoas que estão na mesma condição diante da bênção que compartilham. Essa comunhão deve incluir todos os membros da Igreja de Deus, do Pentecostes até o momento presente, e continuar até o fim dos séculos.

Ora, antes de haver comunhão, é necessário que haja união. De certo modo, todos aqueles que compartilham estão acima da organização, nacionalidade, raça ou denominação. Essa unidade é algo divino, realizado pelo Espírito Santo no ato da regeneração. Qualquer homem que nasce de Deus é um com outro que nasce de Deus. Assim como o ouro sempre é ouro, independente do lugar ou da forma em que é encontrado, e todo fragmento separado do ouro pertence à verdadeira família e é composto pelos mesmos elementos, toda alma regenerada pertence à comunidade cristã universal e à comunhão dos santos.

Toda alma redimida nasce da mesma vida espiritual que todas as outras almas redimidas e participa da natureza divina exatamente do mesmo modo. Portanto, cada uma torna-se membro da comunidade cristã e participante de tudo o que essa comunidade desfruta. Essa é a verdadeira comunhão dos santos. Contudo, apenas saber isso não é suficiente. Se avançamos no poder dessa verdade, devemos nos exercitar nessa verdade; devemos praticar em nossos pensamentos e orações a idéia de que somos membros do Corpo de Cristo e irmãos de todos os santos resgatados, que vivem e que morreram, que creram em Cristo e O reconheceram como Senhor.

Afirmamos que a comunhão dos santos é uma confraternidade, um compartilhar de coisas concedidas por Deus por parte de pessoas que foram chamadas por Deus. Ora, quais são essas coisas?

A primeira e mais importante é a vida – “a vida de Deus na alma do homem”. Essa vida é a base de tudo que se recebe e compartilha. E essa vida não é outra coisa senão o próprio Deus. Deveria ser evidente que nenhum verdadeiro partilhar cristão de bênçãos pode existir a menos que, primeiro, a vida seja concedida. Uma organização e um nome não constituem uma igreja. Cem pessoas religiosas unidas por uma cuidadosa organização não constituem uma igreja mais do que onze homens mortos formam um time de futebol. O primeiro requisito sempre será a vida.

A comunhão apostólica também é uma comunhão de verdade. A inclusividade da comunhão sempre deve ser sustentada por seu exclusivismo. A verdade traz para seu gracioso circulo todos aqueles que admitem e aceitam a bíblia como a fonte de toda a verdade e o Filho de Deus como o Salvador dos homens. Entretanto, não deve haver um compromisso vulnerável com os fatos nem palavras sentimentais expressas em frases antigas: “Todos nós seguimos na mesma direção (...) Cada um está buscando sua própria forma de agradar ao Pai e fazer com que o céu seja o seu lar.” A verdade liberta os homens, e unirá e separará, abrirá ou fechará, incluirá e excluirá de acordo com sua excelente vontade sem respeitar as pessoas. Rejeitar ou negar a verdade da Palavra é excluir-se a si mesmo da comunhão apostólica.

Ora, alguém pode perguntar: “O que é esta verdade sobre a qual você fala? É meu destino confiar na verdade dos batistas, na verdade dos presbiterianos ou na verdade dos anglicanos, ou em todas essas verdades ou em nenhuma delas? Para conhecer a comunhão dos santos é preciso crer no calvinismo ou no arminianismo? Na forma congregacional ou na forma episcopal do regime eclesiástico? É preciso interpretar as profecias de acordo com os pré-milenaristas ou pós-milenaristas? É preciso crer no batismo por imersão ou por aspersão?” A resposta a todas essas perguntas é fácil. A confusão é apenas aparente, e não real.

Os primeiros cristãos, sob o fogo da perseguição, levados de um lugar para outro, ás vezes recusavam a oportunidade de obter uma instrução meticulosa da fé, queriam uma “regra” que resumisse tudo o que deviam crer para garantir seu bem-estar na eternidade. Em virtude dessa necessidade crucial, surgiram os credos. Dentre os muitos, o Credo Apostólico é o mais conhecido e apreciado, e foi reverentemente repetido pelo maior número de cristãos ao longo dos séculos. E, para milhares de homens de boa vontade, esse credo contém os princípios essenciais da verdade – não todas as verdades, naturalmente, mas a essência de toda a verdade. Servia, em tempos de provação, como uma espécie de senha que instantaneamente unia os homens entre si, quando esse credo era transmitido boca a boca pelos seguidores do Cordeiro. É justo, portanto, afirmar que a verdade compartilhada por santos na comunhão apostólica é a mesma verdade salientada por conveniência no Credo Apostólico.

Nesta época, quando a verdade do Cristianismo está sob um fogo perigoso vindo de muitas direções, é mais importante que saibamos no que cremos e que o preservemos com cuidado. No entanto, na tentativa de interpretar e explicar as  Santas Escrituras de acordo com a fé antiga de todos os cristãos, devemos nos lembrar que uma alma sequiosa pode encontrar salvação mediante o sangue de Cristo ao mesmo tempo em que mostra pouco conhecimento sobre os ensinamentos mais completos da teologia cristã. Portanto, devemos aceitar em nossa comunhão toda ovelha que ouviu a voz do Pastor e esforçou-se por segui-Lo.

O novo convertido à fé cristã, que ainda não teve tempo de aprender muitas coisas sobre a verdade cristã, e o cristão desprivilegiado, que teve a desventura de crescer em um grupo onde a palavra foi negligenciada do púlpito, estão quase que na mesma situação. A fé deles compreende apenas uma pequena parte da verdade, e seu “compartilhar” está necessariamente limitado à pequena parte compreendida. O importante, entretanto, é que o pouco que desfrutam consiste na verdade real. Talvez não ultrapasse a idéia de que “Cristo Jesus veio ao mundo para salvar os pecadores”; mas, se andarem à luz dessa grande verdade, não será necessária outra coisa para trazê-los ao circulo dos abençoados e para serem constituídos verdadeiros membros da comunhão apostólica.

Consequentemente, a verdadeira comunhão cristã consiste no compartilhar de uma presença. Não se trata de uma simples poesia, mas de um fato ensinado em letras garrafais no Novo Testamento. Deus deu-se a si mesmo a nós na pessoa de seu filho. “Porque onde estiverem dois ou três reunidos em Meu nome, ali estou no meio deles” (Mt 18:20). A imanência de Deus em Seu universo possibilita o gozo da “verdadeira presença” tanto por parte dos santos de Deus no céu como na terra. Independente de onde eles possam estar, Deus se faz presente para eles na plenitude de Sua divindade.

Não creio que a bíblia ensine a possibilidade de comunicação entre os santos na terra e aqueles que estão no céu. Mas, apesar de não haver comunicação, o mais certo é que há comunhão. A morte não arranca o crente individual de seu lugar no Corpo de Cristo. Assim como em nosso corpo físico cada membro é nutrido pelo mesmo sangue que, ao mesmo tempo, dá vida e unidade ao organismo como um todo, no Corpo de Cristo, o Espírito vivificador que flui por todas as partes dá vida e unidade ao todo. Nossos irmãos em Cristo que se foram da nossa presença ainda preservam seu lugar na comunhão universal. A Igreja é uma, quer acordada ou dormindo, por uma unidade de vida eterna.

A coisa mais importante sobre a doutrina da comunhão dos santos são os efeitos práticos na vida dos cristãos. Sabemos pouco sobre os santos que estão no céu, mas, quanto aos santos que estão na terra, sabemos – ou podemos saber – muitas coisas. Nós, protestantes, não cremos (uma vez que a bíblia não ensina) que os santos que foram para o céu antes de nós são, de alguma forma, afetados pelas orações ou obras dos santos que permanecem na terra. Nossa atenção particular não está voltada para aqueles a quem Deus já exaltou com a visão beatífica, mas para os peregrinos sobrecarregados e esforçados que ainda estão peregrinando rumo à Cidade de Deus. Todos nós somos parte uns dos outros; o bem estar espiritual de cada um de nós é – ou deve ser – a terna preocupação dos demais.

Devemos orar por um alargamento de alma de modo que aceitemos em nosso coração todo o povo de Deus, independente de sua raça, cor ou denominação. Consequentemente, devemos pôr em prática a idéia de que somos membros da família abençoada de Deus e nos empenhar na oração para que amemos e apreciemos todos aqueles que nascem do Pai.

Eles pertencem a nós – todos eles -, e nós pertencemos a eles. Eles a nós e todos os homens e mulheres redimidos, independente de época ou região, estamos incluídos na universal comunhão de Cristo, e juntos formamos “um sacerdócio real, uma nação santa, um povo de propriedade exclusiva” (I Pe 2:9) que desfruta a comum, mas abençoada, comunhão dos santos.

A. W. Tozer

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