Creio na comunhão dos santos”
   
 - Credo Apostólico -
 
            Essas palavras foram escritas no Credo aproximadamente em meados do século quinto.
   
Seria  difícil – se não totalmente impossível – para nós nesta era presente  saber exatamente o que se passava na mente dos Pais da Igreja que  introduziram essas palavras ao Credo.
   
Contudo,  no livro de Atos, temos uma descrição da primeira comunhão cristã:  “Então, os que lhe aceitaram a palavra foram batizados, havendo um  acréscimo naquele dia de quase três mil pessoas. E perseveravam na  doutrina dos apóstolos e na comunhão, no partir do pão e nas orações”  (2:41-42).
  
            Eis aqui a comunhão apostólica original, o modelo sobre o qual a comunhão de todo cristão verdadeiro deve ser alicerçada.
  
            O  termo “comunhão”, apesar de seus abusos, ainda é belo e pleno de  significado. Quando corretamente compreendido, significa o mesmo que a  palavra “confraternidade”, ou seja, o ato e a condição de compartilhar  em união algumas bênçãos comuns a um número de pessoas. A comunhão dos  santos, nesse caso, significa um compartilhamento intimo e amoroso de  certas bênçãos espirituais por pessoas que estão na mesma condição  diante da bênção que compartilham. Essa comunhão deve incluir todos os  membros da Igreja de Deus, do Pentecostes até o momento presente, e  continuar até o fim dos séculos.
  
Ora, antes de haver comunhão, é necessário que haja união.  De certo modo, todos aqueles que compartilham estão acima da  organização, nacionalidade, raça ou denominação. Essa unidade é algo  divino, realizado pelo Espírito Santo no ato da regeneração. Qualquer  homem que nasce de Deus é um com outro que nasce de Deus. Assim como o  ouro sempre é ouro, independente do lugar ou da forma em que é  encontrado, e todo fragmento separado do ouro pertence à verdadeira  família e é composto pelos mesmos elementos, toda alma regenerada  pertence à comunidade cristã universal e à comunhão dos santos.
  
Toda  alma redimida nasce da mesma vida espiritual que todas as outras almas  redimidas e participa da natureza divina exatamente do mesmo modo.  Portanto, cada uma torna-se membro da comunidade cristã e participante  de tudo o que essa comunidade desfruta. Essa é a verdadeira comunhão dos  santos. Contudo, apenas saber isso não é suficiente. Se avançamos no  poder dessa verdade, devemos nos exercitar nessa verdade; devemos praticar  em nossos pensamentos e orações a idéia de que somos membros do Corpo  de Cristo e irmãos de todos os santos resgatados, que vivem e que  morreram, que creram em Cristo e O reconheceram como Senhor.
  
Afirmamos  que a comunhão dos santos é uma confraternidade, um compartilhar de  coisas concedidas por Deus por parte de pessoas que foram chamadas por  Deus. Ora, quais são essas coisas?
  
A  primeira e mais importante é a vida – “a vida de Deus na alma do  homem”. Essa vida é a base de tudo que se recebe e compartilha. E essa  vida não é outra coisa senão o próprio Deus. Deveria ser evidente que  nenhum verdadeiro partilhar cristão de bênçãos pode existir a menos que,  primeiro, a vida seja concedida. Uma organização e um nome não  constituem uma igreja. Cem pessoas religiosas unidas por uma cuidadosa  organização não constituem uma igreja mais do que onze homens mortos  formam um time de futebol. O primeiro requisito sempre será a vida.
  
A comunhão apostólica também é uma comunhão de verdade.  A inclusividade da comunhão sempre deve ser sustentada por seu  exclusivismo. A verdade traz para seu gracioso circulo todos aqueles que  admitem e aceitam a bíblia como a fonte de toda a verdade e o Filho de  Deus como o Salvador dos homens. Entretanto, não deve haver um  compromisso vulnerável com os fatos nem palavras sentimentais expressas  em frases antigas: “Todos nós seguimos na mesma direção (...) Cada um  está buscando sua própria forma de agradar ao Pai e fazer com que o céu  seja o seu lar.” A verdade liberta os homens, e unirá e separará, abrirá  ou fechará, incluirá e excluirá de acordo com sua excelente vontade sem  respeitar as pessoas. Rejeitar ou negar a verdade da Palavra é  excluir-se a si mesmo da comunhão apostólica.
  
Ora,  alguém pode perguntar: “O que é esta verdade sobre a qual você fala? É  meu destino confiar na verdade dos batistas, na verdade dos  presbiterianos ou na verdade dos anglicanos, ou em todas essas verdades  ou em nenhuma delas? Para conhecer a comunhão dos santos é preciso crer  no calvinismo ou no arminianismo? Na forma congregacional ou na forma  episcopal do regime eclesiástico? É preciso interpretar as profecias de  acordo com os pré-milenaristas ou pós-milenaristas? É preciso crer no  batismo por imersão ou por aspersão?” A resposta a todas essas perguntas  é fácil. A confusão é apenas aparente, e não real.
  
Os  primeiros cristãos, sob o fogo da perseguição, levados de um lugar para  outro, ás vezes recusavam a oportunidade de obter uma instrução  meticulosa da fé, queriam uma “regra” que resumisse tudo o que deviam  crer para garantir seu bem-estar na eternidade. Em virtude dessa  necessidade crucial, surgiram os credos. Dentre os muitos, o Credo  Apostólico é o mais conhecido e apreciado, e foi reverentemente repetido  pelo maior número de cristãos ao longo dos séculos. E, para milhares de  homens de boa vontade, esse credo contém os princípios essenciais da  verdade – não todas as verdades, naturalmente, mas a essência de toda a  verdade. Servia, em tempos de provação, como uma espécie de senha que  instantaneamente unia os homens entre si, quando esse credo era  transmitido boca a boca pelos seguidores do Cordeiro. É justo, portanto,  afirmar que a verdade compartilhada por santos na comunhão apostólica é  a mesma verdade salientada por conveniência no Credo Apostólico.
  
Nesta  época, quando a verdade do Cristianismo está sob um fogo perigoso vindo  de muitas direções, é mais importante que saibamos no que cremos e que o  preservemos com cuidado. No entanto, na tentativa de interpretar e  explicar as  Santas Escrituras de acordo com a fé antiga de  todos os cristãos, devemos nos lembrar que uma alma sequiosa pode  encontrar salvação mediante o sangue de Cristo ao mesmo tempo em que  mostra pouco conhecimento sobre os ensinamentos mais completos da  teologia cristã. Portanto, devemos aceitar em nossa comunhão toda ovelha  que ouviu a voz do Pastor e esforçou-se por segui-Lo.
  
O  novo convertido à fé cristã, que ainda não teve tempo de aprender  muitas coisas sobre a verdade cristã, e o cristão desprivilegiado, que  teve a desventura de crescer em um grupo onde a palavra foi  negligenciada do púlpito, estão quase que na mesma situação. A fé deles  compreende apenas uma pequena parte da verdade, e seu “compartilhar”  está necessariamente limitado à pequena parte compreendida. O  importante, entretanto, é que o pouco que desfrutam consiste na verdade real.  Talvez não ultrapasse a idéia de que “Cristo Jesus veio ao mundo para  salvar os pecadores”; mas, se andarem à luz dessa grande verdade, não  será necessária outra coisa para trazê-los ao circulo dos abençoados e  para serem constituídos verdadeiros membros da comunhão apostólica.
  
Consequentemente, a verdadeira comunhão cristã consiste no compartilhar de uma presença.  Não se trata de uma simples poesia, mas de um fato ensinado em letras  garrafais no Novo Testamento. Deus deu-se a si mesmo a nós na pessoa de  seu filho. “Porque onde estiverem dois ou três reunidos em Meu nome, ali  estou no meio deles” (Mt 18:20). A imanência de Deus em Seu universo  possibilita o gozo da “verdadeira presença” tanto por parte dos santos  de Deus no céu como na terra. Independente de onde eles possam estar,  Deus se faz presente para eles na plenitude de Sua divindade.
  
Não  creio que a bíblia ensine a possibilidade de comunicação entre os  santos na terra e aqueles que estão no céu. Mas, apesar de não haver  comunicação, o mais certo é que há comunhão. A morte não arranca o  crente individual de seu lugar no Corpo de Cristo. Assim como em nosso  corpo físico cada membro é nutrido pelo mesmo sangue que, ao mesmo  tempo, dá vida e unidade ao organismo como um todo, no Corpo de Cristo, o  Espírito vivificador que flui por todas as partes dá vida e unidade ao  todo. Nossos irmãos em Cristo que se foram da nossa presença ainda  preservam seu lugar na comunhão universal. A Igreja é uma, quer acordada  ou dormindo, por uma unidade de vida eterna.
  
A  coisa mais importante sobre a doutrina da comunhão dos santos são os  efeitos práticos na vida dos cristãos. Sabemos pouco sobre os santos que  estão no céu, mas, quanto aos santos que estão na terra, sabemos – ou  podemos saber – muitas coisas. Nós, protestantes, não cremos (uma vez  que a bíblia não ensina) que os santos que foram para o céu antes de nós  são, de alguma forma, afetados pelas orações ou obras dos santos que  permanecem na terra. Nossa atenção particular não está voltada para  aqueles a quem Deus já exaltou com a visão beatífica, mas para os  peregrinos sobrecarregados e esforçados que ainda estão peregrinando  rumo à Cidade de Deus. Todos nós somos parte uns dos outros; o bem estar  espiritual de cada um de nós é – ou deve ser – a terna preocupação dos  demais.
  
Devemos  orar por um alargamento de alma de modo que aceitemos em nosso coração  todo o povo de Deus, independente de sua raça, cor ou denominação.  Consequentemente, devemos pôr em prática a idéia de que somos membros da  família abençoada de Deus e nos empenhar na oração para que amemos e  apreciemos todos aqueles que nascem do Pai.
  
Eles  pertencem a nós – todos eles -, e nós pertencemos a eles. Eles a nós e  todos os homens e mulheres redimidos, independente de época ou região,  estamos incluídos na universal comunhão de Cristo, e juntos formamos “um  sacerdócio real, uma nação santa, um povo de propriedade exclusiva” (I  Pe 2:9) que desfruta a comum, mas abençoada, comunhão dos santos.
A. W. Tozer